quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Amanhã em Charlottemburg


Um casal, que tentava escapar da monotonia dos domingos, passeava nos jardins do castelo de Charlottemburg no distrito homônimo de Berlim. Apesar da luminosidade da primavera e do sol, que depois de quatro longos meses de inverno resolvera mostrar as caras, o dia estava fresco, principalmente sob as sombras. Às margens do Spree, os garotos andavam a passos dominicais em direção ao ponto turístico combinado.
Ao longo do caminho, faziam planos para o mês, para o ano e para toda uma vida. Quanto tempo ainda passariam naquela cidade? Será que falariam melhor a língua local? Para onde viajariam nas próximas férias de verão? E o quanto seria necessário economizar para chegar ao fim do mês sem assaltar a poupança?
Entre indagações, mapas e pausas para fotografia, chegaram ao parque. A descrição do espaço em si é desnecessária – mais uma daquelas grandes e suntuosas áreas verdes inspiradas nos jardins do Palácio de Versalhes. Mas era ali que turistas, locais e crianças aproveitavam o sétimo dia da semana, criado ou inventado para o descanso.
Depois de caminhar pelas árvores, espantar-se com diferentes tipos de flores nos canteiros ornamentados e alimentar patos na lagoa, o jovem casal continuou a passos tranqüilos até um grande e descampado gramado. Foi então que um deles fez o convite:
- Vamos deitar um pouco na grama e tomar sol?
- Boa idéia. Hum, se bem que o campo deve estar úmido e esta sua blusa de linho azul é praticamente nova e tão bonita.
- É mesmo, né? Teremos de colocar na máquina de lavar. Deixa para lá. Vamos.
        E assim continuaram a contornar a ampla área verde e a jogar conversa fora até, a poucos metros dali, depararem-se com uma senhora em torno de 60 anos - pelo menos era a idade que aparentava sob sua tez branca e abatida. Sentada em uma cadeira de rodas - posicionada em diagonal em relação ao gramado para que seu rosto ficasse completamente em direção ao sol- ela tinha uma confortável manta sobre o colo.
De olhos constantemente fechados, repousava a cabeça com cabelos ralos e brancos sobre uma pequena almofada. Ela não se movia a não ser por um dos cantinhos da boca que esboçava um leve sorriso. Uma moça mais jovem atrás da cadeira, de olhos vermelhos e lacrimejosos, acendeu um cigarro e acariciou o pouco de cabelo que restava na senhora.
           Sem falar nada, o casal se deitou no gramado e deixou com que a terra úmida e viva sujasse seus pulôveres, enquanto todo o sol que poderiam tomar esquentasse seus corpos naquele dia fresco de primavera. E foi ali que passaram mais de uma hora com seus planos e dúvidas sobre o futuro. 

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Em respeito à maioria



Aparecida Nascimento acorda todos os dias às 6h da manhã e prepara o almoço que suas duas filhas, de nove e doze anos, esquentam no microondas na hora do almoço. Às 7h20, em ponto, ela pega o ônibus no bairro de Contagem, em Belo Horizonte, e segue pro batente. Um minuto de atraso significa voltar para casa e ter o dia descontado no apertado salário do fim  do mês. A vendedora de calçados recebe mensalmente entre 800 e 1.000 reais e conta com o chorinho da renda do marido, 300 reais. Todos vivem em um modesto apartamento de dois quartos, mas conseguiram comprar um Renault parcelado em 60 vezes. As prestações são em torno de 550 reais e quando o orçamento aperta, a família passa a noite de estômago vazio. “Assim é a vida”, diz ela, que não tem carteira de motorista. “Mas o carro ninguém me tira”. Para melhorar a auto estima e quem sabe sua performance nas vendas, Aparecida deu um boom nos seios - 280 mililitros! “A gente precisa se sentir bem com nosso corpo”.
Esse relato foi feito pelo jornalista Ruedi Leuthold em reportagem de 21 páginas na Revista GEO do mês passado. Comprei a publicação na estação de trem em Bamberg por causa da reportagem de capa sobre a reunificação da Alemanha (que completou 20 anos no dia 03 de outubro) e fiquei surpresa ao me deparar com a tal matéria: “Brasil, ao caminho de se tornar uma superpotência”. Já tinha desistido de fazer um post sobre isso, mas ao ver o tamanho da repercussão desmiolada (no Orkut, Facebook e Twitter) sobre a eleição da Dilma, reconsiderei.
Já ta todo mundo cansado de ouvir que o Brasil é o pais do futuro e o jornalista sacou isso. Mas ainda assim, munido de números e boas entrevistas, Ruedi confirma essa teses. Hoje o país está entre as dez maiores economias do mundo e em 2016 pode ocupar a quinta posição. Apesar da crise econômica, a bolsa cresceu 300% nos últimos oito anos e com isso o presidente até emprestou dinheiro para o tão polêmico Fundo Monetário Internacional. Pela primeira vez na história, a classe média é a maior camada social o e não aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza.  Aliado ao fato está a construção de um grande sistema social em que 46 milhões de pessoas recebem ajuda financeira do estado. Não por acaso, três quartos da população se declara satisfeita com o trabalho do presidente. Os dois candidato à sucessão, segundo o autor, o “conservador da oposição” José Serra e a “ex-guerrilheira” Dilma Rousseff prometem não mexer nessa questão.  
Ainda assim, os 10% mais ricos detém 75,4% da renda social. Em outras palavras, a situação econômica atual do pais faz dos ricos, pessoas ainda mais ricas.  Talvez por isso, há aqueles com tendências mais de esquerda e menos neo-liberais que acusam o governo de sacrificar a população em nome da segurança econômica, com um belo colchão financeiro. Como política é complicado! No quesito educação, motivo de piada. Em um ranking da organização Pisa-Studie (Programme for International Student Assessment), o Brasil está no 54° lugar em matemática. Detalhe, entraram na pesquisa somente 57 nações. Por fim, o repórter alerta para a necessidade de uma reforma urgente em Brasília - uma elite política que há muito tempo perdeu o contato com a população. Cerca de 147 deputados federais e 21 senadores já foram investigados por corrupção, ou seja, quase um quarto de toda delegação.
Enfim, após as eleições, as matérias publicadas por aqui seguem essa linha. Brasil como futura potência, uma lista de acertos no governo anterior e pontos a serem melhorados (como desenvolver a indústria nacional e não pensar só em exportação de matéria prima, por exemplo). Mas não faz sentido traduzir toda a repercussão na mídia internacional, só é realmente intrigante como o discurso externo e interno sobre as eleições é destoante. Não importa qual foi a escolha pessoal de cada um, mas é de bom tom acalmar os ânimos, deixar a avalanche de lamentações e controlar adjetivos pejorativos e desenfreados. Satisfeitos ou insatisfeitos, não se pode negar que houve eleições e a decisão foi democrática. Blasfemar e rosnar contra o desejo da maioria é comportamento de criança mimada.