Uma certa manhã ela acordou com 70
anos. A pele não era mais assim
tão rígida, os cabelos encurtaram e a textura das mãos denunciavam o que ela
tentara esconder ao longo da vida por meio dos artefatos da vaidade feminina.
Como passara rápido! Já vi muitos ficarem velhos e manterem o espírito jovem.
Mas esta moça manteve a carcaça jovem e a alma envelhecida. Cansaço, fadiga! A
vida não tinha sido fácil, nem valia a pena narrar os percalços das mulheres
daquele tempo. Estava prestes a morrer afogada na luta contra o inevitável. As
sobrancelhas eram marcadas por uma maquiagem definitiva que lhe dava um ar
mutante, quase artificial. O batom vermelho, levemente borrado, já não
ressaltava a beleza, mas revelava o aspecto histérico, alheio ao mundo e à
realidade. Aquele olhar poderia ter inspirado Munch a pintar o Grito.
Para ela não seria um problema, desde que se tornasse uma musa.
Apesar da inquietação interna
recebera naquela mesma manhã uma excelente notícia. Iria a Itália. Demorou para
entender a novidade, pois o ouvido lhe traía constantemente. Depois de tantos
anos conheceria o país de seus antepassados! Já sonhava com Sophia Loren.
Folheava revistas para saber como uma mulher chique e inspiradora poderia
desembarcar em Roma. Mudou a cor do cabelo, cortou-o ainda mais curto e
começou a puxá-lo constantemente em direção a orelha para que não enrolasse.
Passou os próximos meses pensando no figurino que chegaria ao país. Como
deveria se vestir para ser fotografada nas belas praças e bancos? Trocava os
vestidos, as fitas da cabeça, desfilava escondida em frente ao espelho.
Colocava a mão direita levemente sobre a boca e reclinava a cabeça com o ar
pueril das pin-ups. Fitava o espelho. Via na imagem uma dessas belas
personagens.
Voou de óculos escuros, assim como
atrizes famosas que pretendem passar discretamente pela multidão. Desceu da
aeronave, sem tirá-los, sempre puxando a ponta do cabelo para trás das orelhas
e entregou seu passaporte à polícia aduaneira. Encarava os guardas por trás das
lentes escuras e acreditava que seria bem recebida, reconhecida, assim como sua
musa Sophia. Tentava ser natural, fingir um tom blasé que não correspondia à
sua aflição. Mas teve de deixar o glamour de lado e mostrar seu rosto. Logo
perdeu o interesse pelo país. Dera-se conta da sua condição de turista comum.
Fez alguma imagens pela cidade, posou em frente à Fontana di Trevi, mas não
havia nenhum Marcello Mastroianni para resgatá-la. Ninguém queria resgatá-la. A
multidão passava por ela sem notá-la. Logo adoeceu. Tomava remédios para
dormir, para se acalmar, para ir ao banheiro, para emagrecer e não queria mais
deixar o quarto do hotel. Precisava de cuidados. Terminou a viagem de camiseta,
na cama, fotografando a Itália pela televisão.
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