sábado, 21 de setembro de 2013

Little Miss Sunshine: 13 anos


Hoje uma garota chamada Ana Carolina completa treze anos. Quando cheguei na Alemanha, passeava nos corredores das lojas, olhava as bonecas da Barbie, caixas de lego, lápis de cor e pensava como ela ia gostar desses brinquedos e bugigangas, que, diga-se de passagem, eram sempre muito mais baratos desse lado do Atlântico. Fechei os olhos, escrevi uma prova de alemão, comecei o mestrado e, de repente, encontrei-me numa grande loja de departamento escolhendo os presentes para mais um aniversário da moça: um estojo de maquiagem, brincos, pulseiras e uma camiseta cool e que deixasse os ombros à mostra! Isso é um detalhe importante: ombros à mostra.

A Carol sempre foi uma garotinha peculiar (no bom sentido da palavra, a minha favorita, aliás). Quero dizer, nada mainstream! Lá pelos seus três anos, estava acordada à meia noite com toda família para o Réveillon. Enquanto seus primos, amigos e irmãos faziam algazarra, buzinavam enlouquecidamente, saíam do carro para dançar, a miniatura também pulava do veículo com as perninhas ainda fracas de criança, chacoalhando os cambitos. E se ninguém a trouxesse de volta para o carro, ela ia embora no balanço da virada. Nessa época, ela já tinha aprendido também o dom da persuasão. “Vamos embora, Carol, chega de parquinho", disse pra ela no condomínio. Eis a resposta do toquinho de gente: “calma, vamos negociar, depois de mais três balançadas e duas escorregadas a gente pode ir”.  Olhamos meio incrédulos, mas concedemos. Esse foi também o tempo da "música do poeta", era assim que ela pedia para ouvir a canção “Malandragem”, cantada pela Cássia Eller.

Então ela cresceu um bocadinho e chegou em uma fase que começamos a chamá-la carinhosamente de “Little Miss Sunshine”, o que deixava a mocinha bem irritada. O que ela ainda não entendia é que a personagem do filme foi a invenção mais legal da década. Nessa mesma época, Ana também já queria ir da casa de veraneio até a praia, à tarde, com os primos e o irmão mais velho. Uma vez a levamos. Estava chovendo, ou melhor, o céu estava despencando (sem raios e relâmpagos, antes que as mães levantem o radar do perigo), queríamos entrar na água, mas não sabíamos bem o que fazer com a menina. Solução: a empurramos para dentro do mar. Melhor ao nosso lado do que sozinha na praia. Passado o alvoroço, todo mundo conversava, quando notamos braços batendo e girando alucinadamente sobre as ondas aos gritos da frase “hoje é o dia mais feliz da minha vida”. Mal sabia ela que muitos outros viriam.

Apesar da pouca idade, ela se comportava bem. Fomos uma vez na Bienal de arte. Ela olhava, olhava, torcia o nariz, interagia eventualmente com uma obra ou outra. Depois da visita, encaramos uma fila de uma hora (ou mais) no La Tartine, para que a Carol pudesse provar a salada mais gostosa da cidade – alface, tomate picadinho, torradas com queijo de cabra e molho de mostarda dijon. Detalhe: desde pequena ela é a maior devoradora de pés de alface e agrião! Como ela adquiriu esse hábito, sabe-se lá Deus... Mesmo sendo criança, não teve moleza. Esperou lá sentadinha sem reclamar como todo mundo. Levei-a ao banheiro. Cobri o vaso para ela com os assentos de papel disponíveis. Quando ela notou o formato de coração indagou: “vai dizer que isso agora também é arte?!”. Olhei com cara de peixe morto e disse que a esperaria lá fora. No fim da noite, Ana ainda levantou na maior cara de pau do mundo e foi pedir um autógrafo para a Alice Braga, que comia algumas mesas atrás da nossa.
Aos dez anos, a moiçola cismou que viria me visitar (sozinha) na Alemanha. Quando  perguntava se ela não queria fazer intercâmbio, respondia: “não posso, só quando eu crescer”. Um ano depois ela veio, mesmo que acompanhada do irmão. E veio falando “véio”, gíria paulistana adquirida dos irmãozinhos refinados. Nessa fase, ela não chorava mais quando todo mundo falava ao mesmo tempo “chorou, chorou, chorou”, mas ainda se irritava quando tiravam sarro porque ela queria muito visitar a casa do Goethe e o museu estava fechado. Ainda era muito cedo para presenteá-la com uma obra do autor alemão, mas ela já se deitava à noite com um livro de história que mais parecia uma bíblia de tão grande. E no dia seguinte, era a primeira a levantar às 6h, quando lá fora ainda estava tudo escuro e dez graus abaixo de zero. Pulou da cama encapuzada feito um esquimó para ir ver a tão sonhada neve. Parecia mais que ela ia para o Alasca e não para Oberhof.

Como já estava aprendendo inglês, comprou na banca da estação de trem umas revistas na seção internacional. Levou a Rolling Stones embora e nos deixou o CD de brinde de presente. Com os meses, Carol foi se tornando razoavelmente eclética. Gostava dos Beatles, foi no show do Paul McCartney (até postou fotos cantando com capa de chuva), mas também curtia um troço bem ruim chamado Restart e outras coisas do gênero. Bizarrices da adolescência. Quando a sacaneavam por tais gostos esquisitos, não titubeava: “sou eclética”, respondia de bate pronto. As pontas dos cabelos estão rosas, mas acredito que devam ficar azuis, verdes, amarelas, roxas e ainda virem um arco-íris inteiro. Nessa idade, o ciúme dos irmãos parecia ter diminuído, mas a moça ainda fazia um ou outro comentário sobre as cunhadas: “essa é assim”, “aquela é assado” e logo ponderava desolada: “mas eu não posso dizer nada, porque a escolha é deles, né?”. Rá! Nada mal para uma garota de onze, agora treze, não? Mas a melhor da década foi o comentário absolutamente do nada em frente a um computador: “não terei filhos porque eles tirarão minha privacidade”! Juro! 

Mais alguns poucos anos e talvez eu lembre dela em meio às prateleiras de vodkas, vinhos e cervejas. Ou caia para trás, quando ela aparecer em casa dirigindo, comece a gostar da Simone de Beauvoir ou venha me visitar de mochila nas costas, coisa rápida, pronta pra partir de novo para o próximo destino. Mas, agora, isso tudo é especulação minha. Daqui alguns anos, escrevo outro desabafo incrédula de como o tempo passa rápido, contando o que, exatamente, deixou-me de queixo caído na narrativa de vida da pequena Sunshine Cazzamatta! 

Ps.: papis e mamis, está quase na hora de deixar a Miss Sunshine ir (sozinha) morar em terras londrinas, né? rs!

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